Você
reconhece quando chega a felicidade?
Tenho
uma forte antipatia pela obrigação de ser feliz que acompanha o Carnaval. Quem
foge da folia ganha o rótulo de antissocial, depressivo ou chato. Nada contra o
Carnaval. Apenas contra essa confusão de conceitos. Uma festa alegre não
significa que você esteja plenamente feliz. E forçar uma situação de felicidade
tem tudo para terminar em arrependimento e frustração.
Aliás,
você reconhece a felicidade quando ela chega? Sabe que está sendo feliz naquele
momento? Espere um pouco para responder. Pense de novo.
Estamos
falando de felicidade! Não de uma alegria qualquer. E qual a diferença? Bem,
descrever a felicidade não é fácil. Ela é muito recatada. Não fica ali posando
para foto, sabe? Mas um Manual de Reconhecimento da Felicidade diria mais ou
menos o seguinte: ela é mansa. Não faz barulho. Ao mesmo tempo é farta. Quando
chega, ocupa um espaço danado. Apesar disso, você quase não repara que ela está
ali. Se chamar a atenção, não é ela. É euforia. Alegria. A licenciosidade de
uma noite de Carnaval. Ou um reles frenesi qualquer, disfarçado de felicidade.
A
dita cuja é discreta. Discretíssima. E muita tranquila. Ela o faz dormir
melhor. E olha, vou lhe contar uma coisa: a felicidade é inimiga da ansiedade.
As duas não podem nem se ver. Essa é a melhor pista para o seu Manual de
Reconhecimento da Felicidade. Se você se apaixonou e está naquela fase de pura
ansiedade, mesmo que esteja super feliz, não é felicidade. É excitação.
Paixonite. Quando a ansiedade for embora, pode ser que a felicidade chegue. Mas
ninguém garante.
É
temperamental a felicidade. Não vem por qualquer coisa. E para ficar então...
hi, não conheço nenhum caso de alguém que a tenha tido por perto a vida
inteira. Por isso é tão importante reconhecê-la quando ela chega. Entendeu
agora por que a minha pergunta? Será que você sabe mesmo quando está feliz?
Ou
será que você só consegue saber que foi feliz quando a felicidade já passou?
Eu
estudo muito a felicidade. Mas não consigo reconhecê-la. Talvez porque eu seja
péssima fisionomista. Ou porque ela seja muito mais esperta do que eu. Mais
sábia. Fato é que eu só sei que fui feliz depois. No futuro. Olho para o
passado e reconheço: “Nossa, como eu fui feliz naquela época!” Mas no presente
ela sempre me dá uma rasteira. Ando por aí, feliz da vida e nem sei que estou
nesse estado. Por isso, aproveito menos do que poderia a graça que é ter assim,
tão pertinho, a tal felicidade.
Nos
últimos tempos, dei para fazer uma lista de momentos felizes. E aqui é importante
deixar claro que esses momentos devem durar um certo período de tempo. Um episódio
isolado feliz – como quatro dias de Carnaval, por exemplo – não significa
felicidade. A felicidade, quando vem, não vem de passagem. Não dura para
sempre, mas dura um tempinho. Gosta de uma certa estabilidade, [...] Sabendo
quando você foi feliz, é mais fácil descobrir por que foi feliz. Para ser ainda
mais funcional, é bom que a lista seja cronológica. Lendo a minha, constato que
fico cada vez mais feliz por mais tempo.
Será
que ela está aqui agora? Não sei dizer. Mas a paz de que desfruto agora é um
sintoma dela. E isso não tem nada a ver com a tal obrigação de ser feliz
desfilando no Sambódromo. Continuo meus estudos. Já tenho certeza de que hoje
sou mais amiga da felicidade do que jamais fui em qualquer tempo.
Ana
Paula Padrão (adaptado)
Revista
ISTOÉ 2206, de 22/02/2012.
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